Consultoria do Senado diz que projeto das emendas não atende exigências do STF
Um documento técnico elaborado pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado aponta que o projeto de lei complementar apresentado na semana passada pelo Congresso não contempla o que o Supremo Tribunal Federal (STF) exige para que as emendas parlamentares tenham mais transparência e rastreabilidade.
“O Projeto de Lei Complementar 172/2024 não responde a praticamente nenhuma das exigências colocadas pelas decisões cautelares do STF e pelo Acordo interinstitucional celebrado entre os Poderes e divulgado pela Suprema Corte em 20 de agosto”, diz a nota técnica.
“Dos 14 critérios e parâmetros identificados como provenientes dessas fontes normativas, apenas 2 deles são atendidos substancialmente pelos dispositivos do projeto, e ainda assim esses dois quesitos já constam dos normativos atualmente vigentes.”
O projeto 172/2024 foi apresentado na sexta-feira pelo relator do Orçamento, senador Angelo Coronel (PSD-BA), como fruto do acordo com o STF que suspendeu a execução de emendas parlamentares até que o Congresso elaborasse novas regras de transparência para sua execução.
Em tese, o projeto de lei deveria atender as determinações do STF para que a execução das emendas tenham transparência e rastreabilidade. A Consultoria de Orçamento do Senado, porém, diz claramente que falta ao projeto atender essas dois pontos.
“Em que pesem os protestos retóricos de diversos artigos do projeto, ficam desatendidas as duas lacunas fundamentais apontadas nas decisões judiciais: a rastreabilidade na origem das emendas coletivas (e respectivas indicações) e na execução das transferências especiais (“emendas Pix”)”, diz.
A nota foi finalizada nesta terça-feira (29). O documento tem 106 páginas e foi elaborado pelo consultor legislativo Fernando Moutinho a pedido do senador Eduardo Girão (PL-CE) e da deputada Adriana Ventura (Novo-SP). O texto do estudo diz também que regras do projeto que parecem ser “virtuosas” são na verdade “irrelevantes”.
“Passando ao art. 9o, que aparenta estabelecer uma modificação virtuosa sobre a fixação de prioridades (remessa de “programações, projetos e critérios para atendimento prioritário” ao Congresso, para orientá-lo quanto às “necessidades, prioridades e planejamento das políticas públicas” na elaboração de emendas), tem efeito prático irrelevante. Apenas cria um fluxo adicional de informação ao Congresso, a qual servirá de “orientação” para as decisões – informação que, se de interesse do Congresso, já poderia ter sido solicitada de ofício em momentos anteriores”, afirma.
A nota diz, também, que “na ausência de comando imperativo (regras ou critérios vinculantes) que condicione, ainda que parcialmente, a alocação de recursos por meio de emendas, termina por ser norma apenas programática e sem capacidade coercitiva, dado que a mesma estrutura de incentivos e restrições que hoje incide sobre a decisão no emendamento e, posteriormente, nas indicações durante a execução, permaneceria inalterada”.
Vinculação à receita ignorada
O texto fala, ainda, que o Congresso sequer atendeu ao ponto do acordo com o STF que previa a retirada da atual vinculação das emendas parlamentares à receita corrente líquida “de modo a que elas não cresçam em proporção superior ao aumento do total das despesas discricionárias”.
“Da forma como está o dispositivo, o crescimento pelo limite da despesa primária será superior ao das despesas discricionárias sempre que as despesas obrigatórias cresçam acima do crescimento do teto – o que é o principal fator de desequilíbrio da despesa”.
Ou seja, as emendas continuarão a pressionar crescentemente as despesas discricionárias de funcionamento do governo, segundo os técnicos, já que não contribuirão para absorver o aumento mais que proporcional das despesas obrigatórias em relação ao teto, “o que acelera a compressão das despesas discricionárias e, por conseguinte, o risco de deterioração dos serviços básicos da administração federal e até mesmo de shutdown, como já alertou seguidas vezes o Tribunal de Contas da União”, afirma.
Artigos inconstitucionais
O documento aponta ainda que seis artigos do projeto são inconstitucionais. “O Projeto de Lei Complementar 172/2024 contempla cláusulas que são inconstitucionais, por versarem sobre matéria privativa de Resolução do Congresso Nacional ou de suas Casas (arts. 2o, 5o, 8o, 12, 13 e 16)”, diz a nota. A consultoria também diz que “cabe observar que grande parte do conteúdo do projeto representa repetição do conteúdo de normativos já existentes”. Procurado, o autor do PLP, senador Angelo Coronel, disse que não irá se manifestar.