As apostas (e os riscos) de Bolsonaro ao convocar protesto em São Paulo; políticos de direita fortalecem o ato
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) convocou um protesto na avenida Paulista neste domingo (25/2) em meio ao avanço das investigações da Polícia Federal sobre suposto plano de golpe de Estado
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) convocou um protesto na avenida Paulista neste domingo (25/2) em meio ao avanço das investigações da Polícia Federal sobre suposto plano de golpe de Estado
Em um vídeo nas redes sociais, Bolsonaro pediu que seus apoiadores façam uma manifestação “séria, disciplinada e pacífica” no domingo e que o movimento se restrinja apenas à capital paulista.
Segundo ele, o protesto vai defender “nosso Estado democrático de direito e nossa liberdade”.
Ao final da mensagem, Bolsonaro pediu que os manifestantes evitem levar faixas contra “quem quer que seja”.
A manifestação bolsonaristas acontece na mesma semana em que o presidente Lula comparou a morte de cerca de 30 mil palestinos na guerra de Israel contra o Hamas com o Holocausto sofrido pelos judeus na 2ª Guerra Mundial.
Para cientistas políticos, o protesto é uma “grande aposta de Bolsonaro” para tentar demonstrar força política, apesar de estar inelegível até 2030.
Segundo os analistas, o efeito desta manifestação vai depender do número de pessoas presentes na Avenida Paulista, onde será realizado o ato, e também da participação de outros nomes relevantes da política, como governadores e congressistas.
A adesão de políticos de direita é um dos fatores que tem mobilizado o bolsonarismo nos últimos dias.
Entre os nomes confirmados estão o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), que busca a simpatia da parcela conservadora do eleitorado para se reeleger nas eleições municipais deste ano.
Três governadores e 93 congressistas haviam confirmado presença no evento até o sábado (17/2).
Além de Tarcísio, os governadores Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, disseram que estarão presentes na Paulista.
O a ex-secretário de comunicação e atual advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, escreveu no X (ex-Twitter) que iria sugerir ao ex-presidente que convidasse o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine, que seria “muito bem recebido e acolhido”.
A iniciativa é vista por analistas como uma forma de tentar usar a crise provocada por Lula com Israel para inflar a manifestação.
O movimento também terá o apoio financeiro e a presença do pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, notório apoiador de Bolsonaro.
Em vídeo divulgado no domingo (18/2), Malafaia pediu aos seus fiéis que orem e façam jejum por 12 horas em “favor da nossa nação” no dia do depoimento de Bolsonaro à PF.
Em entrevista à revista Veja, Malafaia também pediu que os manifestantes não levem faixas contra autoridades políticas ou ministros do STF, que foram recorrentes em outros atos bolsonaristas.
“Toda manifestação tem uns alienados, uns radicais que a gente não concorda, que levam faixa dizendo que tem que fechar o STF, fechar o Congresso. Aí a imprensa tira foto e chama de ato antidemocrático”, disse o pastor, que financiará a contratação do trio-elétrico onde o ex-presidente e outros políticos vão discursar.
“Por isso, decidimos que ninguém leva faixa. Se alguém aparecer com faixa, já sabem que não tem nada a ver com Bolsonaro.”
Grande aposta de Bolsonaro
Uma pesquisa do instituto AtlasIntel, divulgada no início do mês, aponta que 42,2% dos entrevistados acreditam que as “investigações contra Bolsonaro constituem uma perseguição política”. Já 40,5% não acreditam nisso.
Por outro lado, um levantamento do mesmo insituto mostrou que 57% dos entrevistados acreditam que Lula de fato venceu as eleições de 2022, contrariando o discurso bolsonarista de que houve fraude no pleito – algo que nunca foi comprovado.
O cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que Bolsonaro costuma convocar manifestações quando se sente fragilizado.
Sua expectativa é de que o ato não reúna um público tão grande quanto outras manifestações semelhantes do passado, porque Bolsonaro não é mais presidente.
“Para mim, será surpreendente se a manifestação for muito grande”, diz.
No entanto, mais importante do que a quantidade de gente na rua, será quem estará ao lado de Bolsonaro no palanque.
“O principal objetivo do protesto é medir sua força entre os profissionais da política. Quanto mais parlamentares e governadores aparecerem, melhor para ele”, diz Praça.
“Quem se arrisca a aparecer ao lado dele? Tarcísio, [Romeu] Zema [governador de Minas Gerais]? O que eles vão falar em seus discursos? Ele quer demonstrar que ainda tem força mesmo estando inelegível por oito anos.”
Entretanto, o analista não acredita que isso fará alguma diferença no rumo das investigações de que Bolsonaro e seus aliados são alvo ou mesmo nas decisões que a Justiça pode tomar a respeito.
O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), avalia que a manifestação de domingo “é uma grande aposta” de Bolsonaro para “mostrar força” e tentar tornar as investigações e decisões da justiça mais “custosas”.
“Qual é a efetiva capacidade do bolsonarismo de mobilizar as pessoas e encher as ruas contra o que eles classificam como perseguição política? Essa é a aposta dele”, diz Monteiro.
“Do ponto de vista do Bolsonaro, se o protesto for um sucesso em termos de presença, pode mostrar a capacidade dele de continuar agregando em torno de si a maioria das forças conservadoras.”
Para o cientista político, mesmo inelegível, Bolsonaro pode continuar a “ser um grande eleitor” nas eleições municipais deste ano caso a manifestação de domingo tenha grande presença de público.
Mas, se o protesto for pequeno, avalia Monteiro, “inverte-se a equação”.
“Bolsonaro então passa a ser apenas mais uma peça do jogo. Por tabela, as forças progressistas vão se reorganizar com a perspectiva de que ele não tem toda essa influência eleitoral.”
Para Monteiro, os parâmetros de sucesso ou fracasso para a manifestação de domingo devem ser os atos bolsonaristas de 2022, último ano de Bolsonaro na Presidência.
“Se o protesto for muito menor que os daquele ano, acredito que será um enorme fracasso para Bolsonaro e mostrará que ele não tem mais a capacidade de mobilização popular que já teve.”
Em resposta à organização do ato, o diretório do PT (Partido dos Trabalhadores) em São Paulo apresentou representação ao MPE (Ministério Público Eleitoral) do Estado.
O partido alega que o ato pode desencadear um evento semelhante ao de 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes da República foram atacadas por apoiadores radicais de Bolsonaro.
Segundo a emissora CNN Brasil, na representação o partido pediu que a Polícia Militar esclareça os protocolos e o contingente que será empregado na manifestação e solicitou a abertura de investigação sobre financiamento irregular dos atos e eventuais ilícitos eleitorais, em especial propaganda eleitoral antecipada, considerando a proximidade das eleições municipais de outubro.
Ao mesmo tempo, o PT, o grupo Prerrogativas, movimentos como MST, UNE, MTST e outros partidos têm organizado seu próprio ato para o mês de março.
“Não queremos impedir o ato de domingo, mas dar uma resposta a manutenção dessa estratégia golpista. Esse ato do dia 25 é uma grande ameaça”, disse o coordenador nacional do MTST e integrante da Frente Povo Sem Medo, Rud Rafael, à CNN Brasil.
Bolsonaro investigado
A manifestação deste domingo acontece após uma série de investigações envolvendo Bolsonaro e sua família, como uma apuração de um suposto esquema de negociação ilegal de joias dadas por delegações estrangeiras à Presidência da República.
Também acontece duas semanas depois da operação Tempus Veritatis, que foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes.
A ação teve Bolsonaro como alvo, além de parte de seu clã político e militares supostamente envolvidos na trama golpista.
A operação investiga uma organização acusada de “tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito” nos períodos que antecederam e se seguiram às eleições presidenciais de 2022, em uma tentativa de garantir a “manutenção do então presidente da República (Jair Bolsonaro) no poder”.