As virtudes que levam o Fluminense à final da Libertadores
Há muitas coisas que podem ser ditas sobre o Fluminense, finalista da Libertadores. É possível, outra vez, exaltar o que talvez seja a grande virtude de Fernando Diniz como treinador: tornar a coragem um elemento fundamental de suas equipes. Algo que vai da disposição a estimular cada jogador a se expressar, a arriscar, chegando a cada escolha em suas escalações ou substituições. É até possível discutir se as trocas feitas no segundo tempo, na virada sobre o Internacional, tiveram o efeito esperado. Mas elas refletem uma identidade.
É possível, ainda, falar de Cano. Se o título da Libertadores vier, será impossível contar a história do Fluminense sem reservar um espaço para este argentino. Decisivo no Maracanã e no Beira-Rio, Cano é daqueles atacantes que parece uma certeza num esporte tão imprevisível. A sensação é de que seu gol está sempre a caminho.
Tudo isso justifica a presença do Fluminense na final da Libertadores. Quando analisamos o processo, a construção deste time sob Diniz, o rendimento médio da equipe ao longo da temporada, é justo que o tricolor jogue a partida mais importante do ano, dia 4 de novembro, no Maracanã.
Mas é parte do futebol, e especialmente das copas, dos mata-matas, um elemento indomável, incontrolável, difícil de explicar racionalmente. Porque o Fluminense é, de fato, um time com muitas virtudes, tem uma construção muito mais sólida do que este Internacional tão irregular na temporada. Mas nenhuma destas virtudes resultou num domínio tricolor em pelo menos 70% deste mata-mata. Se a análise se detiver nos aspectos táticos e estratégicos do confronto, a virada do Fluminense no Beira-Rio veio quando pouquíssima coisa apontava para a reviravolta. Até que, já perto do fim, quase todos os elementos que caracterizam este Fluminense terminaram por se combinar em duas jogadas separadas por um intervalo de cinco minutos: a coragem, a decisão inegociável de sair jogando desde a defesa, o talento de Marcelo no corta-luz, o passe de Cano, a mistura de audácia e talento de Kennedy para o 1 a 1. Logo depois, outra saída de bola pelo chão, a condução de André, e visão de jogo de Kennedy, a predestinação de Cano para o 2 a 1. O Fluminense na final.
Do Maracanã, Diniz e Coudet levaram para Porto Alegre alguns dilemas. O Internacional precisava decidir se dobraria a aposta numa pressão contra a saída de bola do Fluminense, diante dos riscos que isso poderia implicar. E como faria para defender um time que, por vezes, acumula tantos jogadores no setor da bola. Tudo isso foi bem resolvido pelo treinador argentino na primeira etapa. E os colorados sufocaram o Fluminense em seu campo.
Mas havia um outro lado nesta história. Diniz precisava tomar uma decisão na escalação. Era importante ter Aleksander para povoar mais o meio-campo, setor que os colorados costumam ocupar. Ao mesmo tempo, o preço seria abrir mão de John Kennedy. E o efeito colateral foi muito presente no jogo. A ausência de um jogador que ataca a profundidade, que é uma constante ameaça de arrancada às costas da defesa, era um convite ao Internacional para se adiantar e pressionar o Fluminense. Os tricolores ficaram dependentes do jogo curto, mas esbarravam numa ótima marcação. A derrota ao intervalo poderia ter sido maior do que o 1 a 0 construído no gol de Mercado.
Diniz fez a habitual troca de um zagueiro por um meia – Martinelli por Felipe Melo. Recuou André para a zaga e ainda lançou Kennedy na vaga de Aleksander. Mais adiante, trocaria Ganso por Lima e o lateral Guga pelo atacante Yony González. E aí, há duas formas de enxergar o segundo tempo.
A presença de Kennedy ajudava a empurrar a defesa colorada para trás. O Fluminense colocava quatro ou cinco homens sobrecarregando a linha defensiva dos donos da casa, via Marcelo se transformar quase num homem livre para ajudar a criar. Além disso, há questões físicas moldando este Internacional, que parecia decidido a defender mais atrás.
Mas o fato é que, se o Fluminense tinha a bola, seguia com imensa dificuldade de transformar posse em chances. Enquanto Valencia apareceu três vezes diante de Fábio, duas delas em contragolpes cedidos por um Fluminense ofensivo, porém mais exposto do que propriamente perigoso no ataque. O cenário não indicava uma virada.
Até que, a dez minutos do fim, o Internacional tenta pressionar uma saída de bola do Fluminense e se espaça às costas de seus volantes, algo que não ocorria no primeiro tempo – seja pela presença de Kennedy, seja pelo aspecto físico, seja pela tendência de defender o placar. O fato é que o corta-luz de Marcelo acha Cano, que lança Kennedy para o 1 a 1. Cinco minutos depois, o Fluminense sai ao seu modo de outra tentativa de pressão do Internacional. Eis a vantagem de ter enraizada uma forma de jogar, de entender o futebol. A troca de passes desde a defesa permitiu a André, novamente um meia, escapar e iniciar o lance do 2 a 1. Desta vez, foi Kennedy quem deixou a bola passar para Cano concluir.