BRASIL 🇧🇷 Lula se desvencilha de Dilma e exalta Alckmin em entrevista ao Jornal Nacional
Pela primeira vez em cinco anos, o ex-presidente Lula (PT) pode enfim dizer, ao vivo e em rede nacional, o que pensa sobre dois dos assuntos mais embaraçosos para sua campanha em busca de um terceiro mandato: corrupção e a crise econômica dos anos Dilma.
Quem acompanha os pronunciamentos do candidato petista não viu na entrevista ao Jornal Nacional nada de diferente do que já vem pregando. A novidade era a plateia, parte dela resiliente em dar a ele uma nova oportunidade de governar o país.
Justamente porque estão frescas na memória as ações policiais na esteira da Lava Jato e a queda da atividade econômica na virada dos anos 2014 e 2015.
Lula respondeu sem responder à primeira pergunta de William Bonner. Repetiu a cantilena de que só se apurou desvios nas gestões petistas porque se deixou apurar.
Poderia ter dito que alguns dos medalhões pegos com a boca na botija hoje estão aninhados no colo do bolsonarismo, como o PL de Valdemar Costa Neto e o PP de Arthur Lira, partido com mais investigados nos tempos da Lava Jato.
Não o fez por motivos óbvios: para não legitimar a força-tarefa, que acusou de ter o objetivo apenas de prendê-lo com base em mentiras, e não contratar para o futuro uma briga com possíveis aliados num eventual governo.
O ex-presidente bateu bumbo sobre a criação de mecanismos como Portal da Transparência e o status de ministério da Controladoria Geral da União, além do fortalecimento do Cade e da Lei de Acesso a Informações, uma contraposição a decretos de sigilo que envolvem o entorno do atual presidente.
Disse que, em seu tempo, o Ministério Público e a Polícia Federal atuavam de forma independente, uma das muitas estocadas oferecidas a Jair Bolsonaro, que ele acusou de mexer em delegados quando se sente acuado e por ter escolhido um engavetador como Procurador-Geral da República. “Não quero um procurador leal a mim. Ele tem que ser leal ao povo brasileiro”, disse.
Só não se comprometeu a escolher o próximo PGR sem furar a lista tríplice do MPF, como fez Bolsonaro.
Lula também atacou as consequências econômicas do que chamou de abusos da Lava Jato, que, segundo ele, resultaram em prejuízos em investimentos, emprego e arrecadação. Tudo isso ele já vem dizendo em livros de circulação restrita e discursos para militância.
O entrevistado levou 14 minutos para colocar o nome de Bolsonaro na roda. Foi quando acusou o mandatário de trocar qualquer diretor da PF a hora que quiser.
E 15 minutos para citar o candidato a vice em sua chapa, Geraldo Alckmin (PSB), a quem passou o resto da entrevista rasgando elogios.
Era uma vacina para a pergunta que fatalmente viria (e veio): e a Dilma?
Lula disse que a antecessora errou ao segurar os preços dos combustíveis no período eleitoral, em 2014, e também em sua política de desoneração e isenção para empresas. Jogou para Bonner os números da gestão petista até 2010, quando passou a faixa presidencial para sua ex-ministra da Casa Civil. Desde então tudo o que Dilma decidiu foi por sua conta e risco, assegurou.
Como se não tivesse convencido o entrevistador, Lula vaticinou: quando Bonner deixasse a bancada do JN, descobriria por si o ditado segundo o qual rei posto é rei deposto.
Em outra estocada em Bolsonaro, esta indireta, disse que seu governo será baseado nas palavras credibilidade, previsibilidade e estabilidade. “As pessoas precisam acreditar no que você fala”, disse Lula, trazendo Alckmin de novo para o baile como um atestado de credibilidade “interna e externa”.
Na última pesquisa Datafolha, divulgada em julho, 52% dos entrevistados diziam nunca confiar no que diz o presidente Bolsonaro.
Para não deixar a antecessora ferida na estrada, o petista lembrou que ela foi vítima de uma dupla dinâmica formada por Eduardo Cunha (então do PMDB), então presidente da Câmara, e Aécio Neves (PSDB), líder da oposição.
Tudo para dizer mais à frente que bons eram os tempos em que a polarização no Brasil era entre PT e PSDB, com quem disse se dar bem.
Lula questionou, a certa altura, se a apresentadora Renata Vasconcellos considerava mais grave o mensalão ou o atual orçamento secreto. Foi quando ela quis saber como o presidente governaria sem o apoio do “centrão” e dos parlamentares empoderados pelo mecanismo de distribuição de recursos.
O petista admitiu que vai precisar sentar e conversar com as legendas e governadores, mas lembrou que o “centrão” não é partido político.
Disse que o orçamento secreto não é moeda de troca, e sim usurpação do poder. Chegou a aliviar para Bolsonaro ao dizer que ele é refém do Congresso e mal cuida da gestão orçamentária. Afirmou também que nunca antes um ministro precisava ligar para o presidente da Câmara para discutir orçamento. “Bolsonaro parece um bobo da corte”, disse.
Lula aproveitou a exposição para dizer que o Auxílio Brasil de R$ 600 tem hora para acabar, ao fim da eleição, e que não está previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias do próximo ano apresentada pelo atual governo. Lembrou também que Bolsonaro queria pagar apenas R$ 200 de auxílio durante a pandemia, mas precisou aumentar o valor por pressão da oposição.
Da metade da entrevista para o fim, Bonner encarnou o tio do Zap ao perguntar sobre a agressividade da militância petista, que não teria concordado com a composição da chapa com um ex-tucano.
Lula questionou em que mundo o jornalista vivia, já que Alckmin, segundo ele, tem sido tão paparicado pelos apoiadores que deixou o titular da chapa com ciúmes.
Bonner cobrou Lula também por ter, durante anos, estimulado o que chamou de “nós contra eles”, e ouviu de volta que a polarização faz parte do jogo, inclusive nos estádios. E onde não tem polarização? Nos países de partido único, como Cuba e China.
Ele citou Paulo Freire, segundo quem às vezes era preciso se unir aos divergentes para se vencer os antagônicos, e disse jamais ter tratado adversários como inimigo.
Lula atribuiu o ranço de parte do agronegócio contra a chapa petista à sua defesa da preservação do meio ambiente. Questionado por Vasconcellos, se corrigiu dizendo que nem todo fazendeiro era um predador. “Os empresários sérios que exportam não querem desmatar. Querem preservar os rios e a nossa fauna. Mas tem um monte que quer”, disse, atribuindo o apoio da parte reacionária do setor a Bolsonaro à liberação de armas.
O ex-presidente afirmou também que o MST já não é o movimento sem terra de 30 anos atrás e hoje se tornou o maior produtor de arroz orgânico do Brasil.
Perguntado sobre apoio a governos autoritários de esquerda, Lula voltou a usar o conceito de autodeterminação dos povos para dizer que nenhum país deve se meter nas questões internas de outro. Em seguida, se saiu dizendo que ninguém é imprescindível e que ele se negou a mudar a lei para disputar um terceiro mandato em 2010. “Se não começa a virar ditador”, disse.
Ao falar de política externa, ele garantiu aos apresentadores que, caso seja eleito, “uma enxurrada” de amigos do Brasil que andam sumidos vão reaparecer. Era outra cutucada no adversário que botou à frente do Ministério das Relações Exteriores um ministro orgulhoso da nova condição brasileira no tabuleiro diplomático: o de de pária internacional.