Centrão, até então mais bolsonarista, já quer negociar com Lula
ntegrantes do centrão já sinalizam que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode contar com uma base parlamentar bem mais sólida caso apoie ou não crie obstáculos à tentativa de reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Eleito com a ajuda do governo Jair Bolsonaro (PL) e um dos principais aliados do atual presidente, Lira foi uma das primeiras autoridade a reconhecer a vitória de Lula no domingo (30), logo após o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarar que o resultado estava matematicamente definido.
Um dos principais recados que Lira passou foi que a “vontade da maioria manifestada nas urnas jamais deverá ser contestada”. O outro foi que era preciso desarmar espíritos e estender as mãos aos adversários para pacificar o país.
Integrantes do centrão e de outros partidos de centro e direita ouvidos pela Folha de S.Paulo avaliaram que uma aliança seria benéfica tanto para Lula como para Lira, o que isolaria o bolsonarismo radical no Congresso a partir de 2023.
Um porém relevante é que tal união, caso ocorra, pode ter que ser feita em um processo mais lento. Isso porque o centrão, mesmo tendo integrado governos do PT no passado, desta vez deu os braços explicitamente ao bolsonarismo.
Outro ponto é que pode haver resistência por parte de Renan Calheiros (MDB), próximo a Lula e adversário de Lira em Alagoas.
O raciocínio geral feito por congressistas é que mesmo a aliança da pequena base da esquerda (cerca de 120 dos 513 deputados) com partidos de centro hoje independentes, como PSD, MDB e União Brasil, deixaria Lula com menos da metade da Casa, sem descontar prováveis defecções.
Essa sustentação precária não permitiria, por exemplo, aprovação de emendas à Constituição -que exige ao menos 308 das 513 cadeiras.
Nesse cenário, integrantes do centrão afirmam ser um grave erro político Lula empurrar de vez para o lado do bolsonarismo radical o grupo comandado por Lira. O deputado reuniu em torno de si, nos últimos anos, um forte arco de alianças.
O centrão (PL, PP, Republicanos e outras siglas nanicas) terá na próxima legislatura cerca de 200 parlamentares, sendo que os bolsonaristas radicais dentro desse grupo, em especial no PL, não passariam de 50. Ou seja, a margem de manobra pró-Lula seria bem expressiva.
Por fim, um acerto com Lira facilitaria a adesão do centrão que não é bolsonarista raiz à reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no Senado, o que é bem-visto pelo PT.
Uma corrente diz ainda que uma possível aliança entre Lula e Lira pode incluir desde já um nome mais à esquerda para a sucessão do parlamentar no comando da Câmara, em fevereiro de 2025.
“É mais fácil firmar compromisso com quem já está no jogo e tem condições de aceitar uma pauta proposta do que ir atrás de uma novidade que não tem envergadura de fazer um enfrentamento com o Lira, colocando a agenda em risco”, afirmou o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), um dos que falaram abertamente sobre o atual cenário.
“Nossa posição é de independência. Acabou a eleição, agora é o Brasil. Temos pilares, ideais. Tudo o que for ao encontro, seria incoerente a gente votar contra. Por exemplo, moradia popular, uma nova Minha Casa, Minha Vida. Agora, o que contraria, aí não tem como apoiar, como uma revogação da modernização da legislação trabalhista. Isso, se vier, não vai ter o nosso apoio”, disse Vinícius Carvalho (SP), líder da bancada do Republicanos.
Lira tem passado os últimos dias em conversas com aliados e, desde antes da eleição, não escondeu que iria trabalhar para ser reeleito independentemente de quem ganhasse a disputa ao Planalto.
As eleições para o comando da Câmara e do Senado devem ocorrer no dia da posse da nova legislatura, em 1º de fevereiro.
O presidente da Câmara ligou para Lula ainda no domingo (30) para parabenizá-lo pela vitória.
Na conversa, testemunhada por outros parlamentares, o petista entabulou um diálogo amistoso com o rival eleitoral, chegando a perguntar a Lira sobre a saúde do pai, Benedito de Lira, ex-senador e ex-deputado federal.
Lira e Lula trocaram acusações na campanha eleitoral principalmente por causa da alta concentração de poder nas mãos do deputado, decorrente da distribuição das emendas de relator, que fragilizam o poder do governo federal na execução de políticas públicas.
Lula chamou o presidente da Câmara de imperador. Este devolveu afirmando que o petista não o conhecia, que nunca havia tido o prazer ou o desprazer de conversar com ele.
Os embates são vistos como página virada por integrantes do centrão.
Petistas acalentam a expectativa de que o STF (Supremo Tribunal Federal) considere inconstitucional as emendas de relator, que deixam na mão dos caciques do Congresso a definição da distribuição de cerca de R$ 19 bilhões do Orçamento.
Já no centrão, a expectativa é a de que um acerto Lula-Lira inclua a manutenção das emendas, em um formato diferente e, talvez, de menor valor.
Uma base sólida na Câmara, além de permitir a aprovação de propostas de emenda à Constituição, ajuda ao governo de plantão a evitar dores de cabeça patrocinadas por adversários, como convocações de ministros em comissões, CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) e abertura de pedidos de impeachment.
Nesse último caso, por exemplo, o pontapé inicial que deflagra o processo é uma decisão unilateral do presidente da Câmara.
Em praticamente todas as conversas, sempre é lembrada a derrota sofrida por Dilma Rousseff em 2015 na Câmara, quando viu seu candidato, Arlindo Chinaglia (PT), ser vencido por Eduardo Cunha (MDB). Menos de um ano depois, o emedebista assinaria a deflagração do processo que levaria ao impeachment da petista.
O bloco que Lira estaria tentando formar para disputar a reeleição poderia contar, além do centrão, com MDB, União Brasil, PSD e pela federação PSDB-Cidadania. No total, Lira teria 348 votos, se não houver defecções -em 2021, foi eleito com 302.
Desde a campanha eleitoral circulam alguns nomes potenciais que poderiam ser respaldados por Lula, caso ele decida enfrentar Lira. Estão na lista o presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), o presidente do MDB, Baleia Rossi (SP), e o presidente da União Brasil, Luciano Bivar (PE).