Do que se trata em fato do pacote de corte de gastos?
Notícias até o momento indicam que parte das medidas está voltada para a flexibilização do orçamento
Os primeiros dois anos do atual mandato têm sido marcados por uma forte expansão fiscal. A chamada PEC da Transição e o afrouxamento do teto de gastos abriram espaço para o aumento de despesas sociais, como o Bolsa Família, e para investimentos, exemplificados pela retomada do PAC. Esse crescimento das despesas tem sido apenas parcialmente compensado por medidas voltadas à arrecadação.
A agenda fiscal deste início de governo, em boa medida, é o rescaldo do populismo observado no debate eleitoral de 2022. Mas essa agenda, além de vencedora nas urnas, é insustentável. A preparação de um pacote de corte de gastos é um sinal de reconhecimento dessa realidade.
O que esperar do pacote?
As notícias até o momento indicam que parte das medidas está voltada para a flexibilização do orçamento.
Nesse primeiro grupo, estão incluídas, por exemplo, possíveis mudanças nas regras constitucionais que garantem um gasto mínimo em saúde e educação.
Especula-se também que o governo federal poderia contabilizar 60% do que gasta com a complementação da União ao Fundeb (uma despesa obrigatória) dentro do piso da educação, percentual atualmente fixado em 30%.
O mesmo raciocínio vale para eventuais alterações que permitam ao governo ter um controle mais direto sobre o fluxo de algumas despesas obrigatórias, ajustando o montante gasto à disponibilidade de recursos de cada exercício.
Essas medidas seriam bem-vindas, mas não implicam necessariamente em cortes imediatos. Elas apenas criam condições para que o governo avalie de que forma essas áreas podem contribuir para uma redução efetiva das despesas nos próximos anos.
Uma segunda frente importante do pacote deve abordar o redesenho de políticas, com o objetivo de torná-las mais bem focalizadas e, assim, reduzir os gastos. Nesse sentido, cogita-se, por exemplo, a remodelação de benefícios como o seguro-desemprego e o abono salarial.
Nesse grupo, também se inclui a possibilidade de rever o sistema de proteção social dos militares da União, o que parece ter sido incorporado ao pacote nos últimos dias. Revisitar o desenho das políticas públicas, especialmente com base nas melhores evidências, é uma iniciativa positiva e oportuna.
Uma terceira frente mencionada em entrevistas oficiais na semana passada é o combate a fraudes e à concessão ilegal de benefícios sociais. Esse é o tipo de boa notícia que traz implícita uma má notícia: a necessidade de um ajuste fiscal não deveria ser a principal motivação para combater fraudes, pois essa é uma função essencial de qualquer órgão executor de políticas públicas.
Contudo, um ajuste fiscal efetivo exige ir além: é necessário que o governo analise profundamente todas as linhas de despesas e identifique quais podem contribuir no esforço de contenção.
Curiosamente, uma linha do orçamento até agora pouco mencionada é a destinada a reajustes salariais e novas contratações. O Projeto de Lei Orçamentária para 2025 prevê R$ 26 bilhões para essas despesas, um valor consideravelmente maior do que o destinado em 2024.
Parte do esforço de ajuste fiscal não poderia vir dessa rubrica, a partir de uma avaliação de quais carreiras realmente estão defasadas e quais já obtiveram reajustes generosos nos últimos anos?
Vale lembrar que qualquer esforço relacionado à folha de pagamentos do governo terá maior legitimidade se envolver todos os Poderes.
O governo federal está considerando reajustes salariais para cargos comissionados, argumentando que os atuais valores comprometem a atratividade dessas posições. Embora a discussão sobre a adequação salarial seja válida, a proposta não parece adequada em meio aos esforços de ajuste fiscal.
Outro ponto de atenção é o corte dos chamados supersalários, tema de um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados. A aprovação dessa lei é essencial tanto para o controle fiscal quanto para a correção de distorções salariais no setor público.
Contudo, a iniciativa não deve ser acompanhada da criação de novos benefícios, como a retomada dos quinquênios para membros do Judiciário e do Ministério Público, sob o pretexto de compensação. A eliminação de uma anomalia não deve ser compensada com outra.
Por fim, uma discussão inevitável envolve o volume das emendas parlamentares. O projeto de lei que pretende regulamentar as emendas, em sua redação atual, prevê a manutenção do patamar dessas despesas. Em tempos de ajuste fiscal, seria prudente considerar que contribuições poderiam advir de uma revisão nessa área.