Entenda a importância da taxação do álcool na Reforma Tributária; indústria do tabaco tenta passar ilesa
Imposto seletivo sobre produtos prejudiciais à saúde deve incluir bebidas alcoolicas, mas ainda é preciso regulamentação
A reforma tributária, já aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional, estabelece uma mudança importante para o Brasil na cobrança de impostos sobre produtos que fazem mal à saúde. De acordo com o texto, a taxação vai abranger “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei complementar”.
Isso significa que a aplicação da nova norma vai ocorrer de acordo com a regulamentação da reforma. A expectativa é de que o imposto seletivo incida sobre produtos como as bebidas alcóolicas, cigarros e alimentos ultraprocessados com excesso de substâncias potencialmente danosas ao corpo humano.
Laura Cury, coordenadora de projeto de Álcool da ACT Promoção em Saúde, afirma que a taxação não tem objetivos proibicionistas. Ela ressalta que o consumo excessivo causa problemas de saúde individuais e sociais, além de prejuízos econômicos e aumento da violência.
“O consumo de álcool está ligado a mais de 200 tipos de doenças e lesões, a maior prevalência de casos de câncer e de doenças cardiovasculares, distúrbios mentais e comportamentais, cirrose hepática. Também temos outras questões que, muitas vezes, afetam terceiros, como acidentes de trânsito, violência pública, violência doméstica, suicídios, homicídios. Então, o álcool está relacionado a diversos problemas de saúde, mas também são problemas coletivos.”
Segundo a especialista, a taxação é uma das ações com maior efetividade no combate ao consumo excessivo. “Geralmente, temos um pacote de medidas, mas a tributação é considerada a medida mais custo-efetiva para conseguirmos lidar com esses problemas. Não é só a tributação. Funciona muito melhor quando conseguimos implementar esse pacote: tributação, restrição de publicidade e propaganda, restrição de disponibilidade e algumas outras medidas. Mas se tivéssemos que escolher uma, começaríamos com a questão da tributação.”
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa global de impostos aplicados a produtos não saudáveis ainda é baixa. Pouco mais da metade dos países do mundo contam com algum tipo de tributação diferenciada para o álcool. No ano passado, a entidade lançou um manual sobre política e administração de impostos sobre o produto.
A ideia do imposto é diminuir o estímulo ao consumo de substâncias que podem causar morte e aumentam os gastos dos sistemas de saúde. Ainda de acordo com a OMS, os óbitos causados pelo álcool representam 5,3% do total registrado no mundo. No Brasil, esse índice é de 6,9%.
Com o texto da reforma tributária na pauta principal do congresso este ano, Laura Cury afirmou que ainda há desafios a serem vencidos, como a definição de cobranças adequadas e a inclusão da cerveja na lista dos produtos que terão o imposto seletivo.
“O nosso receio é que, eventualmente, a cerveja não seja contemplada da mesma forma pela reforma tributária, que ela não tenha uma tributação significativa, o que no Brasil seria muito ruim. Porque, enquanto população, bebemos cerveja. Um estudo da Universidade Católica de Brasília e da Fundação Getúlio Vargas indica que ela é 90% do que é consumido de álcool no Brasil.”
Lobby do Tabaco
Enquanto associações da sociedade civil e entidades médicas vêm apresentando seus argumentos pró-tributação dos produtos derivados do tabaco de maneira aberta, em audiências e eventos públicos, a indústria se movimenta bem longe das vistas da sociedade. “O tabaco vai ser prejudicado. Eu acho que nós temos que discutir aqui como que a gente pode evitar que aumente o imposto”.
A frase é de Iro Schünke, presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), entidade que reúne algumas das multinacionais que dominam o ramo, como British American Tobacco (BAT), Philip Morris e Japan Tobacco International (JTI).
O lobby contra o aumento da carga tributária se desenrolou ao longo dos últimos dois anos de forma nada transparente, não raro com o auxílio de estruturas do governo Bolsonaro usadas contra propostas da sua própria equipe econômica. Parte desses bastidores são revelados agora pelo Joio, graças a documentos e vídeos obtidos por meio da LAI, a Lei de Acesso à Informação.