Moro usou delator para tentar investigar ministros, deputados e juízes
A defesa de Tony Garcia pediu ao ministro Dias Toffoli que reconheça a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro nos processos envolvendo o empresário. O pedido é fundamentado em uma série de fatos e documentos que demonstram ilegalidades na atuação do ex-lavajatista que, entre outras coisas, teria avisado Garcia que iria condená-lo muito antes de proferir qualquer sentença. A conversa consta em relatório da Polícia Federal.
Um dos fatos narrados é que Moro acusou Garcia de ameaçar de morte Agostinho de Souza. Ele foi denunciado junto ao empresário no processo envolvendo fraude no Consórcio Nacional Garibaldi, que teve sua liquidação extrajudicial decretada em 2004.
Ocorre que um ano depois, nos autos de outro processo, na esfera cível — em que foi processado por Garcia —, Souza teria reconhecido que “nunca foi ameaçado, pressionado, inclusive de morte, pessoalmente, pelo autor”.
A ameaça inexistente foi usada como argumento para pressionar ministros da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça a cassar uma liminar deferida no bojo do HC 23.464/PR, pelo ministro Vicente Leal, que havia suspendido processo contra Garcia.
Com a cassação da liminar, Moro retomou o andamento do processo. Pouco tempo depois o Ministério Público Federal requereu a prisão preventiva de Garcia, que foi deferida pelo então juiz.
Vítima, juiz e acusador
Um dos pontos mais controversos é a atuação de Moro em processo em que ele próprio foi vítima. No caso, o ex-juiz federal foi grampeado pelo advogado Roberto Bertholdo, que representava Garcia na época.
O advogado foi preso e acusado pelos crimes de tráfico de influência, compra de sentenças judiciais e lavagem de dinheiro em 2005. Acabou condenado a cinco anos e dois meses de prisão pela 2.ª Vara Federal Criminal de Curitiba.
Sobre esse caso, Moro tomou pessoalmente o depoimento de Garcia, atuando ao mesmo tempo como investigador, juiz e vítima.
Os 30 trabalhos da ‘lava jato’
O MPF — com a anuência de Moro — condicionou o acordo de delação premiada fechado por Garcia ao cumprimento de 30 tarefas por Garcia relacionadas aos mais diversos processos.
A maioria das tarefas listadas por Moro nada tinha a ver com a ação penal, segundo alega agora a defesa ao ministro Dias Toffoli. Boa parte delas estava relacionadas a fatos fora da competência do MPF para investigar e de Moro para julgar.
Os casos envolviam pessoas com prerrogativa de foro como desembargadores, juízes, conselheiros do TCE-PR, deputados federais, ministros e secretários.
O acordo firmado por Garcia tinha uma amplitude sui generis. Parte dos documentos obtidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico integram autos já conhecidos. Outros são inéditos e tiveram o sigilo decretado pelo ex-juiz.
Eles demonstram que Moro se utilizava dos acordos de colaboração premiada como critério aglutinador de competência e que Tony Garcia, mais que um delator, atuou como um agente infiltrado da “lava jato” para investigar autoridades fora de sua alçada de competência.
Em despacho do dia 7 de julho de 2015, por exemplo, Moro decreta a prorrogação de grampo em dois telefones e registra que julga conveniente que se faça tentativas de reuniões — com escuta ambiental — com os advogados Roberto Bertholdo e Michel Saliba. O último era presidente de uma subseção da OAB-PR na época e foi preso de forma espetaculosa a mando do ex-juiz. Curiosamente, anos depois, ele foi um dos advogados que sustentou a favor da cassação do ex-procurador da “lava jato” e ex-deputado federal Deltan Dallagnol.
Moro queria investigar a suposta influência de Bertholdo na escolha de um ministro do Superior Tribunal de Justiça. “O beneficiário esclarecerá o conteúdo das gravações feitas pela Polícia Federal entre ele, o Advogado Bertoldo e o Deputado Federal Borba”, diz trecho do termo do acordo de Garcia.
Outros personagens também seriam alvo do mesmo tipo de arapuca como os conselheiros do TCE-PR Heinz Herwig e Rafael Iatauro, o deputado federal José Janene, Roberto Siqueira — que sequer era vinculado a Tony Garcia —, os empresários Ennio Fornea, Atonio Wady Debbes e Ricardo Khury. Este último era filho do deputado estadual Anibal Khury. Ele foi processado pelo MPF e antes de ser julgado por Moro acabou se suicidando.
No despacho, Moro afirma que é “oportuno que os diálogos sejam orientados pelo MPF e pela PF”.