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Novo programa do governo federal afetará modo como imóveis públicos são tratados

Com 'Imóvel da Gente', prédios poderão virar moradias populares, órgãos públicos e outros empreendimentos sociais

Prédios e terrenos abandonados que pertencem à União finalmente poderão servir de moradia ou abrigar infraestruturas públicas úteis à população. Lançado no dia 26 de fevereiro no Palácio do Planalto, o programa Imóvel da Gente tem como prioridade enfrentar o déficit habitacional, que explodiu nos últimos anos no Brasil, mas quer ainda mudar uma estratégia considerada imediatista e ineficiente no trato dos bens federais.

Encabeçado pela ministra de Gestão e da Inovação em Serviço Público (MGI), Esther Dweck, e endossado pelo presidente Lula (PT), presente no evento, o programa vai em sentido oposto ao historicamente exercido pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU).

O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, durante coletiva de imprensa posterior ao lançamento, fez menção ao plano de Paulo Guedes, ministro da Economia do ex-presidente Jair Bolsonaro, que chegou a estimar uma receita de R$ 1 trilhão com a venda dos imóveis da União.

“A lógica do programa é substituir aquele modelo antigo de somente fazer caixa. Muitas vezes a alienação se dava a preços questionáveis, porque por estarem muitas vezes em situações degradadas esses imóveis eram vendidos a preços muito baixos. É substituir essa lógica por uma lógica de garantir a função social do imóvel”, explicou o ministro.

Dweck também contestou a tese de que “valorizar é vender, quando na verdade a venda pode ser uma desvalorização do patrimônio”. Em uma breve apresentação sobre os principais pontos do programa, ela apontou que os imóveis selecionados poderão ter quatro instrumentos de destinação patrimonial: cessão, que pode ser gratuita, onerosa ou em condições especiais; doação com encargos para provisão habitacional, regularização fundiária ou empreendimentos sociais; entrega para órgãos federais; ou alienação/ permuta por outro imóvel ou nova edificação.
De acordo com cálculos do MGI, mais de mil imóveis pertencentes ao governo federal podem ser enquadrados em alguns desses modelos nos próximos três anos, incluindo grandes áreas em locais valorizados de centros urbanos, como aeroportos ou estações ferroviárias inativas. Há ainda parte dos mais de 3 mil imóveis não operacionais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que são passíveis de terem destinações sociais.

Além de atender demandas antigas de prefeituras e governos estaduais, o Imóvel da Gente também prevê parcerias com o setor privado, que poderão ocorrer em diversos formatos. Segundo a ministra Dweck, a maior inovação é a modalidade em que há uma espécie de permuta com empresários.

“Você faz um leilão, só que o valor do leilão, a maneira como se paga é em obras, em construção. Ou seja, eu troco patrimônio por patrimônio. Um patrimônio que não tem utilização melhor para o setor público, mas pode ser utilizado pelo setor privado, que constrói patrimônios para o setor público, que podem ser habitação, o equipamento social, então essa é a lógica de participação”, resume.

Famílias em situação de vulnerabilidade vão para o início da fila

Consta também na abordagem do ministério liderado por Dweck a ambição de se deixar para trás os objetivos originais da SPU, fundada ainda no Brasil Império, no longínquo ano de 1854.

Responsável pela repartição das terras públicas, a SPU foi a primeira instituição incumbida de organizar a questão fundiária do país, com uma percepção de justiça social oposta à atribuída pela ministra atualmente. “A SPU está sendo moldada para trazer a população de volta”, exalta Dweck.

Para o assistente social Rud Rafael, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), foram quase 170 anos sem observar as reais necessidades da população. “O povo está precisando de moradia. A gente viu no último censo um número absurdo de imóveis abandonados. Pulou de 6,7 milhões para 11,4 milhões e a gente está vendo agora um enfrentamento do governo não só da garantia da moradia, mas também de pensar a economia popular, o fortalecimento de outros serviços essenciais”, ressalta.

A apresentação do programa coloca as famílias em situação de vulnerabilidade como prioritária entre os beneficiários, mas também menciona movimentos sociais, organizações da sociedade civil e órgãos federais que podem ser melhor localizados, além de governos estaduais e prefeituras. Também abrange o setor privado, que possui manifesto interesse em diversas áreas espalhadas por mais de 200 municípios brasileiros.

“Saber que a população de rua, hoje, faz parte dessa agenda pela moradia digna para nós já é uma conquista imensa. Atualmente, nós somos 220 mil pessoas em situação de rua no Brasil. Se eu for contar apenas o Distrito Federal, são 8 mil pessoas em situação de rua. Então, se a gente consegue tirar metade, a gente já resolve a situação de 4 mil pessoas”, avalia Joana Basílio, coordenadora nacional do Movimento População de Rua.

Em 2023, ainda na fase piloto do programa, mais de 260 imóveis foram direcionados para habitação popular ou para atendimento de políticas públicas em 174 municípios. Durante a solenidade com a presença de Lula, no dia 26, foram anunciadas quatro novas entregas, duas no estado da Bahia e duas no Rio de Janeiro. Em Vitória da Conquista, por exemplo, o governo federal e o governo baiano celebraram um acordo de cooperação para definir propostas de empreendimentos de uso múltiplo para uma imensa área onde funcionava o antigo aeroporto da cidade.

Modelo semelhante ao acordo foi firmado entre a União e a prefeitura do Rio de Janeiro para reocupação da antiga estação Leopoldina de trem. O outro imóvel da cidade diz respeito a um prédio do INSS abandonado há décadas na zona portuária, onde desde 2016 funciona a Ocupação Vito Giannotti. As obras de reparo serão feitas pelo Minha Casa, Minha Vida – Entidades, modalidade de financiamento subsidiado por meio de entidades privadas sem fins lucrativos.

Marcelo Edmundo, da Central de Movimentos Populares (CMP) e um dos líderes da ocupação, espera que as reformas iniciem em breve para o prédio ser reinaugurado em 2026. “As famílias beneficiadas, a princípio, serão aquelas que já estão morando lá há oito anos, mas obviamente todas elas têm que ser enquadradas dentro das regras do programa. Se a gente está lutando por moradia digna, obviamente essa população tem que ser aquela que ganha até dois ou três salários mínimos”, observa.

Um comitê interministerial foi criado para direcionar as ações e a gestão democrática dos imóveis, o que será feito com apoio de fóruns estaduais, movimentos sociais e organizações civis. Apesar dos esforços, Joana Basílio desconfia que o governo do DF, comandado pelo conservador Ibaneis Rocha (MDB), não se preocupa com a inclusão social necessária. “Nunca querem oferecer moradia nas áreas centrais. Querem jogar para longe, onde as pessoas não têm capacidade de se locomover, de procurar um equipamento de saúde, um emprego, alguma geração de renda, alguma coisa desse tipo”, aponta.

Para Rud Rafael, a participação popular é fundamental para o sucesso da empreitada. “A gente está aqui também para cobrar que na constituição desses fóruns, onde vai ser discutida o diagnóstico e a destinação desses imóveis, haja participação dos movimentos sociais. Dessa forma, o povo que mais precisa poderá ser o beneficiado pelo programa”, conclama.

Redação GOYAZ

Redação: Telefone (62) 3093-8270

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