URGENTE: PF e Abin ampliam diligência conjunta para apurar caso do software espião
Agentes dos dois órgãos se reuniram com a fabricante israelense Cognyte para tentar recuperar dados de espionagem ilegal
Embora estejam em uma queda de braço nos bastidores, a Polícia Federal (PF) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fizeram diligências conjuntas durante as investigações que apuram o uso irregular da ferramenta de espionagem israelense.
Agentes da Abin e PF se reuniram no dia 10 de maio do ano passado com a fabricante do software israelense Cognyte. Na ocasião, foi formalizada em ata a metodologia para a recuperação e repasse da base de dados do uso do FirstMile pela Abin. É o que conta o jornal Folha de S. Paulo.
A Cognyte teria então entregue à PF e à Abin pendrives com os dados recuperados, segundo consta nas informações compiladas da comissão de sindicância investigativa instaurada pela Abin. Documentos esses que o jornal paulista teve acesso.
A ferramenta FirstMile foi adquirido pelo Brasil em 2018, no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). O sistema é capaz identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G”.
Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o programa permite rastrear o paradeiro de uma pessoa a partir de dados transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões.
A compra custou R$ 5,7 milhões ao governo brasileiro, com dispensa de licitação, e foi utilizada pela Abin até meados de 2021, durante a gestão de Alexandre Ramagem. Hoje deputado federal pelo Partido Liberal (PL) do Rio de Janeiro, ele era diretor-geral da agência naquela época.
Para o monitoramento pelo sistema, bastava que um número de celular fosse digitado no programa para que a localização do dono da linha aparecesse em um mapa. Com isso, era possível visualizar o histórico de deslocamentos e, inclusive, movimentações em “tempo real” de quem era alvo.
apesar da Abin ter registro de parte dos números monitorados à época de Ramagem, a falta de controle sobre o software espião fez com que os dois órgãos a buscar a recuperação dos dados diretamente com a própria empresa.
Dessa forma, a Polícia Federal já fez duas operações, autorizadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o caso. Integrantes da PF acusam agentes da Abin, ligados à alta cúpula do órgão, de cometerem obstrução de Justiça ao tentarem dificultar o acesso dos policiais ao sistema de armazenamento de dados e relatórios de uso do FirstMile. A Abin, por meio de nota, negou que isso tenha acontecido e que atuou dentro da formalidade legal da operação Vigilância Aproximada.
No despacho assinado por Moraes que autorizou a operação da última quinta-feira, o magistrado cita relatório da PF que aponta que é um “conluio” dos atuais diretores, sob o governo do presidente Lula, em atrapalhar as investigações.
Nos últimos cinco anos, nove Estados firmaram contratos com a empresa que ofereceu a ferramenta israelense usada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no governo de Jair Bolsonaro (PL), para monitorar jornalistas, políticos e até ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Foram mais de R$ 60 milhões em contratos, a maioria com dispensa de licitação, em todas as regiões do País.
Os contratos com secretarias de Segurança Pública e Ressocialização eram para compra de equipamentos para identificação, rastreamento, monitoramento e interceptação telemática e telefônica; bloqueio de sinal de celulares; soluções de tecnologia da informação e prestação de suporte técnico e manutenção da plataforma de busca de dados em fontes abertas. Os serviços são legais se tiverem autorização judicial.
A Cognyte também é fornecedora do programa FirstMile, sistema de monitoramento usado indevidamente por servidores da Abin, capaz de detectar um indivíduo com base na localização de aparelhos telefônicos que usam as redes 2G, 3G e 4G. Para encontrar o alvo, basta digitar o número do seu contato telefônico no programa e acompanhar em um mapa a última posição.
Em São Paulo, o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) contratou, sem licitação, os serviços da Cognyte com empenho de R$ 9 milhões em julho deste ano. O uso é pela Diretoria de Tecnologia da Informação e Comunicação da Polícia Militar. No governo de João Doria, em 2021, o Estado também firmou contrato com a empresa de serviços pela Polícia Civil no valor R$ 5,9 milhões.
Por nota, a Secretaria Estadual de Segurança Pública afirmou que “o sistema citado pela reportagem é utilizado pelas forças de segurança do Estado em operações de combate ao crime organizado, sequestros e demais ações em proteção da sociedade” e disse que não há irregularidade no uso do do software.
No Estado do Espírito Santo, a Polícia Militar fez a contratação de soluções de Tecnologia da Informação, sem licitação, no valor de R$ 12,1 milhões, em 2018. A PM informou que as operações de inteligência são realizadas mediante a supervisão do Ministério Público, que não possui a solução tecnológica FirstMile e que o contrato com a empresa “se destinou a adquirir solução de inteligência tática que não possui capacidade de afastar o sigilo de comunicações telefônicas ou telemáticas”.
No Alagoas, o contrato foi feito com a Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social para compra de recursos essenciais para o equipamento Maleta Tática GI2, no valor de R$ de R$ 2,4 milhões em 2020. O governo do Estado afirmou que o contrato foi descontinuado em 2021.
A Polícia Civil do Amazonas firmou contrato de R$ 6 milhões para a “aquisição do equipamento satelital para identificação, rastreamento, monitoramento e interceptação de indivíduos em atividades relacionadas ao tráfico de drogas em ambiente urbano e florestal” em 2022. O governo afirmou que “a solução adquirida pelo Amazonas é legal, auditável e seu uso controlado”, e ressaltou que não adquiriu o programa FirstMile.
No Mato Grosso, o contrato de R$ 4,7 milhões foi para compra de equipamento tático de localização de celulares, GI2S, em 2022. Segundo o governo, a aquisição seguiu os requisitos legais, com parecer favorável da Procuradoria-Geral do Estado e dos órgãos de controle, e que a Polícia Civil do Estado de Mato Grosso não adquiriu a solução denominada FirstMile.