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Como STF pode regular plataformas digitais após impasse no PL das Fake News

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode julgar nesta semana quatro ações com impacto sobre plataformas digitais, como redes sociais e aplicativos de troca de mensagens.
O julgamento foi marcado para quarta-feira (17/05) após o PL das Fake News — um projeto de lei que cria uma nova regulamentação para o setor — empacar na Câmara dos Deputados.
O tema ganhou urgência devido à percepção de parte da sociedade de que é preciso adotar regras mais rígidas sobre esse setor para evitar a circulação de conteúdo criminoso nas redes, como mensagens que incentivem assassinatos em escolas ou ataques contra o sistema democrático.
Mas a questão divide a opinião pública — também há temor de que novas regras adotadas pelo Congresso ou pelo Supremo acabem limitando a liberdade de expressão.
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Grandes plataformas como Google (dona do YouTube), Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp), Telegram e Twitter usam esse argumento para se opor às mudanças, que podem aumentar seus custos operacionais e o risco de punições, como multas elevadas caso não cumpram novas regras.
Algumas empresas têm, inclusive, usado suas plataformas para divulgar mensagens contra o PL das Fake News, o que levou o ministro do STF Alexandre de Moraes a determinar na sexta-feira (12/5) a abertura de um inquérito para investigar diretores do Google e do Telegram por suposta campanha abusiva contra o projeto de lei.
As ações em análise no STF têm amplitude menor do que o PL das Fake News, que prevê, inclusive, regras de remuneração de conteúdo jornalístico pelas plataformas digitais. Ainda assim, o julgamento pode ter impacto relevante no setor.
Duas ações abordam a possibilidade de aumentar a responsabilidade das empresas sobre moderação de conteúdo, o que pode significar mais remoção de postagens e contas, caso tenham teor criminoso. As outras duas tratam da possibilidade de suspensão de aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram em todo o país devido ao não cumprimento de decisão judicial.
Embora a análise das quatro esteja prevista para esta quarta-feira, existe a possibilidade de adiamento caso outro processo se alongue. No mesmo dia, o STF retoma uma ação penal que pode resultar na condenação e prisão do ex-presidente Fernando Collor de Mello. O julgamento começou na semana passada e foi suspenso ainda em seu início.
Entenda a seguir em quatro pontos o que está em jogo para as plataformas digitais no STF.
Sinal anti-barulho
CRÉDITO, GETTY IMAGES
Legenda da foto,
Opinião pública está dividida quanto à PL das fake news
1. O que será julgado sobre moderação de conteúdo?
As quatro ações questionam a constitucionalidade de trechos do Marco Civil da Internet — ou seja, se trechos dessa lei estariam em desacordo com princípios da Constituição e, por isso, devem ter sua aplicação alterada pelo STF.
Duas delas discutem a validade do artigo 19, que estabelece que as plataformas digitais não podem ser responsabilizadas por conteúdos compartilhados pelos usuários, com exceção dos casos de “pornografia de vingança” (divulgação de imagens de nudez sem autorização da pessoa fotografada/filmada).
Ou seja, o artigo 19 significa que as empresas, na maioria dos casos, só são obrigadas a apagar postagens após ordem judicial.
As duas ações em julgamento tratam de casos concretos, mas a decisão terá repercussão geral, ou seja, fixará parâmetros gerais para o funcionamento das plataformas.
Num dos casos julgados, uma professora processou o Google porque a empresa se recusou a apagar uma comunidade contra ela criada por alunos no Orkut, rede social que já não existe mais. A professora chegou a notificar extrajudicialmente a plataforma solicitando a exclusão da página antes de ingressar na Justiça, mas não foi atendida.
No outro caso em análise, uma mulher processou o Facebook (rede social do grupo Meta) por se recusar a apagar um perfil falso criado com seu nome para divulgar conteúdo ofensivo.
As duas empresas argumentaram que não poderiam apagar conteúdos sem decisão judicial, sob risco de ferir a liberdade de expressão.
“Ser obrigação dos provedores de aplicações na internet as tarefas de analisar e excluir conteúdo gerado por terceiros, sem prévia análise pela autoridade judiciária competente, acaba por impor que empresas privadas — como o Facebook Brasil e tantas outras — passem a controlar, censurar e restringir a comunicação de milhares de pessoas, em flagrante contrariedade àquilo estabelecido pela Constituição Federal e pelo Marco Civil da Internet”, argumentou o Facebook na ação.
Em argumentação semelhante, a Google sustenta que não tem obrigação de indenizar a professora por não ter removido a comunidade no Orkut antes de uma determinação judicial:
“Não sendo a Google possuidora do poder jurisdicional do Estado e não havendo qualquer conteúdo manifestamente ilícito no perfil objeto da lide, não se poderia esperar outra atitude sua do que aguardar o posicionamento do Poder Judiciário”, disse a empresa.
A professora que processou a rede social, por sua vez, argumentou ao STF que “admitir as razões da Recorrente (Google) seria correr o risco de se fazer da internet uma terra sem lei, onde anonimamente, invocando a liberdade de expressão e o direito de comunicação, praticar-se-á todo tipo de ato e crime sem vigilância, consequência ou punição alguma”.
Logo da Google
CRÉDITO, REUTERS
Legenda da foto,
Grandes plataformas como Google (dona do YouTube), Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp), Telegram e Twitter são contra PL das fake news
2. O que pode ser decidido sobre moderação de conteúdo?
Alguns ministros do STF já defenderam publicamente a necessidade de maior regulação do meio digital, como Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.
Juristas especialistas em direito digital ouvidos pela reportagem acreditam que o STF vai ampliar a possibilidade de responsabilização das empresas em caso de conteúdos criminosos compartilhados em suas plataformas.
Se isso ocorrer, a expectativa é que a Corte estabeleça uma nova interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet “conforme a Constituição” — ou seja, uma nova aplicação da lei que estaria mais adequada à conciliação de preceitos constitucionais como a inviolabilidade da honra e da imagem dos indivíduos e os direitos à liberdade de expressão e de livre comunicação.
Embora concordem que esse parece o caminho mais provável, os juristas ouvidos discordam se ele seria o mais correto.
Para o advogado Francisco Cruz, diretor do InternetLab, o tema deveria ser decidido no Congresso Nacional, com amplo debate e participação da sociedade. Na sua visão, o atraso da votação do PL das Fake News e os apelos de parte da sociedade por uma regulação urgente das plataformas não deveria justificar uma atuação do STF.
“Quem deve se mover por clamor social é o Congresso. Quanto mais a gente transfere para o Supremo, essa responsabilidade, mais a gente vai estar colocando água no moinho da fragilização do Supremo e da sua legitimidade”, acredita.
Cruz nota que o Marco Civil da Internet determina que as empresas armazenem informações sobre os perfis que atuam em suas plataformas, permitindo que autores de discursos criminosos sejam identificados e punidos após investigações. Por isso, na sua visão, a atual aplicação do artigo 19 é compatível com os direitos à imagem e à honra e não deveria ser considerado inconstitucional.
Já a advogada Patrícia Peck, membro titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD), não considera que o STF estaria usurpando uma competência do Congresso, caso mude a aplicação atual do artigo 19.
Como o meio digital mudou muito desde que o Marco Civil foi aprovado, em 2014, ela diz que é necessária uma atualização rápida da lei. Nesse sentido, Peck argumenta que a decisão do Supremo é um caminho válido enquanto não é aprovada uma nova legislação no Parlamento.
“É claro que a atualização de lei acontece de forma legislativa. No entanto, enquanto a gente não muda a lei, nós também temos previsão de que o Judiciário deve preencher as lacunas (da legislação). A tecnologia e a relação da sociedade com o uso da tecnologia avançou muito rápido. Já está muito diferente do que era dez anos atrás”, argumentou
Outra discussão é até onde o STF poderia ir na “regulamentação” do setor. Para Francisco Cruz, do InternetLab, o Supremo vai criar uma “zona cinzenta” caso estabeleça novas regras para o setor, já que a Corte não tem poder para criar um órgão de fiscalização.
Já Ricardo Campos, professor na Universidade Goethe, em Frankfurt, e diretor do LGPD (Legal Grounds for Privacy Design), instituto voltado à proteção de dados, defende que o STF estabeleça novas regras de funcionamento para as plataformas.
Ele considera que o artigo 19 do Marco Civil da Internet cria uma espécie de “blindagem” das plataformas sociais, já que acionar à Justiça não é um procedimento simples para a maioria da população.
Segundo Campos, a Corte pode “introduzir o que se chama no direito constitucional de obrigações de organização e procedimento”, determinando, por exemplo, a criação de canais para receber as solicitações dos usuários.
“O Supremo introduziria a necessidade dos serviços digitais receberem denúncias diretamente do usuário e estabelecerem procedimentos dentro da organização para que a própria plataforma responda em tempo hábil a essas queixas privadas, não mais (o usuário) precisando ir, então, ao Judiciário”, exemplificou.
“E, além disso, (a Corte pode) criar uma obrigação, por exemplo, de relatórios de transparência (sobre as denúncias recebidas e as providências tomadas)”, acrescentou.
Campos reconhece que o STF não poderia criar um órgão para fiscalizar a aplicação dessas novas regras, mas acredita que uma decisão da Corte nesse tema daria novo impulso ao Congresso para aprovar a medida.
Enquanto isso, avalia, o descumprimento de eventual decisão do Supremo para as plataformas criarem novos procedimentos poderia levar a processos de responsabilização civil contra as empresas no Judiciário, com aplicação de multas, por exemplo.

Redação GOYAZ

Redação: Telefone (62) 3093-8270

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